O LADO PERVERSO DO RIGOR
O modo como vivemos e sentimos a profissão, a forma como nela nos realizamos, leva-nos a interpretações e opiniões diferentes consoante as coisas e os factos que nos rodeiam, no entanto, é na dialéctica da diferença que, em resultado da discussão de ideias dos mais variados quadrantes, nasce uma solução que em termos lógicos se adequa ao maior número de profissionais, já que, na minha modesta opinião, a consensualidade absoluta torna-se quase impossível, senão mesmo impossível.
Não podemos, nem devemos desenvolver um clima de suspeição institucional. A criação de normas e regras com o intuito de elevar a ética e a deontologia são sempre bem-vindas. Porém, somos nós que devemos dar o primeiro passo e denunciar factos que, de uma maneira ou de outra, ferem a ética e deontologia profissional. Não é bastante a criação de normas se, porventura, estas não forem acompanhadas de uma fiscalização ao cumprimento das mesmas.
Não seria mais significante, e até mais lógico, em vez de estarmos constantemente à espera que seja a OTOC a fazer algo por nós, fôssemos nós a tomar a iniciativa do que podemos fazer pela OTOC, pela profissão?
Ou seja, a instituição reguladora da nossa profissão deve fiscalizar e orientar o cumprimento daqueles normativos mas, cabe aos profissionais a denúncia de factos concretos baseados em critérios objectivos e sem discriminação. Não se pode agradar a “gregos e a troianos”, a querer ser bons rapazes - sorrisos e palmadinhas nas costas, e continuar a assobiar para o lado clamando, ao mesmo tempo, por mais e maior rigor. Só haverá rigor quando formos rigorosos, perdoem-me a redundância.
Com a degradação económica e financeira das empresas, a falta de confiança nos mercados e o aumento da oferta em relação à procura, sobressai o lado perverso do rigor; a tentação que o profissional tem no desejo de tomar qualquer atitude que possa contrariar os seus próprios valores morais a fim de fazer face a um conjunto de necessidades - economia de subsistência.
Se associarmos factores não estruturais, como a cultura portuguesa, o nível de grande parte dos empreendedores e a pouca sensibilidade de alguns profissionais (muitos) para a promoção da ética deontológica é, de facto, já uma inevitabilidade que a realidade caminhe para um nível cada vez maior de degradação da imagem social do técnico oficial de contas.
Por outro lado, e não esquecendo a ajuda “divina” dada pelo legislador quando decidiu, e muito bem, presentear esta profissão como uma obrigatoriedade que me faz recordar aquele velho slogan do código postal, “…meio caminho andado!”, o profissional não deve espreitar qualquer outra ajuda “sobrenatural” que o regulador possa preconizar através da bondade de normas anti-abuso a fim de ver alargada a sua carteira de clientes porque, queiramos ou não, nada há-de sobrepor-se a uma adequada gestão estratégica relacionada com o binómio oferta/procura. O empreendedorismo sendo uma oportunidade para todos, decididamente não está ao alcance de todos.
É óbvio que diagnosticar problemas estruturais numa profissão nem sempre é difícil, o que se torna complicado são as terapias que lhe podem estar subjacentes, principalmente quando a ética, a deontologia e a competência no desempenho das funções não fazem parte do dia-a-dia do profissional.
Acredito que prevalecerá a qualidade e a competência dos verdadeiros profissionais que abraçaram esta causa, todos os outros, estou em crer que serão “engolidos” pelas suas próprias incapacidades, pelos seus próprios medos e receios, ou seja, aqueles que não souberem caminhar no tempo, que não conseguirem interagir no espaço e no tempo, caracterizando os seus comportamentos e as relações que mantêm entre eles com a ética deontológica, estarão condenados ao insucesso.
Sou eu a sonhar, talvez a pensar em voz alta. Até podem dizer que não vai acontecer, mas já faltou mais!… O tempo da pedagogia tolerante esfumou-se, entramos no tempo coercivo!...
E, neste espaço de tempo, seria interessante adoptar como regra uma atitude muito simples, digna e transparente: de cada vez que um cliente intentasse na mudança de responsável técnico, por razões alheias à livre concorrência, caberia aos responsáveis técnicos, antigo e nomeado, elaborarem relatórios objectivos, verdadeiros e adequados à situação que, enviados para a Comissão do Controlo de Qualidade, seriam apreciados com carácter prioritário da existência, ou não, de atropelos ao Código Deontológico e ao Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.
No exercício seguinte à assumpção do novo técnico, a Comissão de Controlo de Qualidade teria toda a legitimidade para visitar aquele, a fim de analisar as demonstrações financeiras e demais documentação do cliente em causa retirando as ilações e conclusões devidas, e se for o caso, instaurar procedimento disciplinar contra o técnico prevaricador.
É minha convicção de que a discussão é muito mais profunda e abrangente que as parcas e sintéticas frases acima transcritas, no entanto, espero ter sido assertivo de forma a melhor ser interpretado para não ferir qualquer susceptibilidade.
Elmano Fernandes